terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Vou dormir

Hoje ia morrendo. Dei uma corrida tal para apanhar o autocarro, um sprint duns escassos trezentos metros, ele que já ia em marcha quando alcancei o vidro e lhe bati. Entrei no dito e pôs-se tudo a andar à roda, eu suando profusamente, deixei-me cair nos lugares vermelhos dados aos velhos e às crianças. Respirei fundo e lá passou.
É que hoje àquela hora o ajuizado era tudo menos correr, e que bem eu corri: de mão nas abas do casaco e bochechas descontraídas, pés delicados para não escorregar (vá-se lá saber porquê, de há alguns anos para cá o calçado em geral passou a escorregar em calçada molhada), mas naquela altura não devia mesmo ter corrido.
Deu-me uma dessas insónias que volta e meia me espertam, não é vulgar, mas acontece um par de vezes por ano, mais que um par em anos piores. E eu com exame no dia à seguir, a seguir... que entretanto foi chegando e mesmo assim, acordado, consegui deixar-me atrasar para o exame.
A insónia é que foi inesperada, já na cama, em trajes menores, achei que o sono não viria enquanto tivesse os pés frios, e lá os tentei aquecer... Continuando sem sono e com pés frios achei que ler podia ser a solução. Estando semi-nu, não tive coragem de espreitar os livros do frio lá do rés-do-chão, procurei no quarto. Três livros inacabados, cinco lidos, e outros tantos por ler desses que saiem no jornal. Acabei por me virar para um tal Conrad a contar as histórias de jovem enquanto segundo piloto de um navio rumado a Banguecoque que teima em não sair da costa inglesa, e isto também não ajudou: o que eu menos preciso a meio de uma insónia, é ver as coisas a andar sem sair do mesmo sítio...
Não há nada a fazer, desisti de dormir. Lá chegou a hora do exame, aquele em que eu ia morrendo no caminho, fi-lo e contando que não dormi até nem correu mal...
Bom, vou dormir.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A espera

-Ficas aqui à espera?
-Fico, vou lendo o jornal...
Li o jornal e a seguir fui levantar dinheiro. Estava uma mulher no multibanco, com uma tez velha e uma boca sem lábios onde ela tinha pintado uns a baton, e à espera um homem também velho e sem botão nas calças que estavam apertadas com um cinto. O homem de tanto esperar foi-se embora, e eu ainda lá fiquei a remoer, cada vez que a mulher voltava a por o cartão na máquina, se havia de dizer alguma coisa ou não, epá mas à sexta vez lá lhe disse, - oh minha senhora tenha paciência, desde que eu aqui estou já enfiou o cartão na máquina cinco vezes...
-Ah mas é que são dois cartões...
-Está bem, são dois cartões mas você é só uma!
Eu só lhe queria pedir dez segundos para levantar dinheiro mas ela indignada foi-se embora... E ainda se voltou para trás num lamurio:
-Eu às vezes também tenho que ficar muito tempo à espera e não reclamo, desculpe lá!
Depois disto ainda sorri para dentro, que ela até me deu razão, isto de esperar é chato mas o que eu devia fazer era estar caladinho e aguentar. Para mim três enfiadelas na máquina é o razoável, se estiver gente à espera, ao fim de três vezes cedo o lugar, não é como esta velha sem lábios.
Atravesso a rua, e vou para o pé da porta do consultório, leio meio livrinho do ricardo reis que veio hoje no jornal, meio porque o gajo é chato que dói - homem, vive um bocadinho - mais do que meio livro de seguida não sou capaz.
Subo a rua umas dúzias de metros desço outros tantos, ando para aqui e ando para ali, subo o passeio desço o passeio, piso merda de cão... Porra comprei os ténis ontem pá, qual é o probabilidade de pisar merda, um caganito que ocupa uma percentagem ínfima do passeio e tive logo que o pisar, que má sorte pá. Será que esta rua tem mais merda que as outras? Isto era giro de saber, varriam-se uns quantos metros de rua à procura de merda, estimava-se a densidade média por rua em poia por metro quadrado, repetia-se o passo em diferentes ruas e depois fazia-se um teste de t às médias! Credo, eu há um ano atrás chamava pivélio ao p-value - o que é essa coisa do pivélio, perguntava eu numa aula - e agora depois da coça que levei de estatística dou por mim a fazer delineamentos experimentais para medir a diferença nas médias de densidade de merda, e testes e t de Student e sei lá o quê... O Student que era Gosset, mas como a Guinness não deixava publicar as investigações o homem viu-se obrigado a publicar a distribuição que tinha desenvolvido sob o pseudónimo de Student, ficou a distribuição t de Student. Onde é que eu já vou, começo na merda já vou em cerveja, não hei d'eu chegar ao fim do dia cansado... Bem, vou para o pé da porta que a joana deve estar a sair.
Mais perto da porta, e com os olhos de volta ao jornal, elevo-os cada vez que oiço o trinco da porta. E, coisa estranha, como se a espera não fosse já exasperante, no prédio só vejo entrar gente nova e sair gente velha! Realmente a espera é longa mas não pode ser assim tão longa... Queres ver que a joana vai sair dali velha!?
Mas não, toca o telefone, diz que vai descer já acabou a consulta.
Finalmente!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Eu e ela

Ela nasceu em Outubro, e eu era para ter nascido no mesmo dia de Outubro, mas a verdade é que a minha preguiça empurrou-me até Dezembro... O encontro que estava marcado para a maternidade teve que ser adiado. Os conspiradores, pessoas que desde o nosso nascimento nos tentaram dar a conhecer um ao outro, voltaram-se para outra hipótese: puseram-nos a morar na mesma terra. Em Paço de Arcos, e apesar de termos sido conterrâneos por três anos nunca se deu o acaso de nos conhecermos. Os nossos desencontros começavam a irritar os conspiradores que achando que o mal era da terra, deram instruções para que fossemos mudados a fim de promover o tal encontro que lhes escapava. Um qualquer mal-entendido lá na burocracia dos conspiradores veio ditar que eu me mudasse para Benavente e ela para Évora, a empresa dificultava-se e havia mesmo já umas certas dúvidas na mente dos maquinadores da conspiração quanto à certeza de outrora. Não desistindo, e acreditando numa fé superior, os conspiradores recorrem a tudo o que fosse possível para permear o tal encontro! Mas muito mais fariam como veremos de seguida, de resto, para encurtar a distância de Évora a Benavente criaram a Associação Jovem a Jovem com núcleos regionais tanto em Évora como em Benavente e à qual tanto eu como ela, nos associámos, eu em Benavente e ela em Évora. E mesmo assim o encontro não foi certo! Num encontro dos dois núcleos que eu organizei em Benavente e tendo à minha frente uma lista de contactos que incluía o dela, a verdade é que ela não veio! Os conspiradores perderam a paciência, houve uma conversa destas entre Évora e Benavente: »Epá! 'Tou farto disto! Já passaram quinze anos! Eu já não quero saber de mais conspiração nenhuma, ouve lá, nesse tal encontro que o puto 'tá a organizar vai alguma rapariga?!» «Vai sim, vai uma alentejana jogadora da bola...» «Ai é?! Então não é tarde nem é cedo, empurramo-los para cima um do outro a ver o que é que sai dali...» E até saiu qualquer coisa, mas a verdade é que este fruto da ira dos conspiradores estava condenado à partida.
Ainda no Jovem a Jovem, fui fazer uma formação a Reguengos e foi esta a oportunidade de ouro para os conspiradores, que embora à data a tenham deixado arrolar-se por um néscio qualquer, conseguiram fazer com que ela fosse cozinheira durante o regime de internato dessa tal formação! E foi aí que nos conhecemos finalmente!
(Breve nota histórica)
Foi da necessidade de promover o melhor conhecimento um do outro, que em finais dos anos noventa os conspiradores usaram todo o seu conhecimento técnico para desenvolver uma ferramenta que permitisse a comunicação entre pessoas à distância sem custos elevados. Os conspiradores desenvolveram o famosíssimo "msn messenger"! Pois é! Foi por nossa causa que inventaram o messenger!
A nossa aproximação foi tudo aquilo com que os conspiradores haviam sonhado há já quinze anos, mas de facto, o messenger não foi suficiente para manter-nos juntos e o afastamento permitiu de parte a parte que outros se aproximassem. Ainda durante esse período houve acasos misteriosos, como quando mudados para Lisboa, de todas as ruas fomos parar à mesma Rua Barão Sabrosa, e apesar dos acasos, tudo indicava que o papel dos conspiradores tinha sido inglório, mas eis que um esforço maior devolve a singularidade aos dois no espaço de uma semana! Os conspiradores, em geral já incrédulos do casal prostrados a uma canto a pensar onde teriam errado, erguiam agora as sobrancelhas e magicavam mais e melhores maneiras de nos aproximar novamente. Mas tal não aconteceria tão depressa, ou pelo menos assim eu pensava, porque de facto já estava a acontecer! Eu em mim mesmo encerro encantos que só o são perante ela assim como o contrário também acontece! Aqui devo abrir um pequeno parêntesis a que irei chamar "O Caso de Estudo", ora leiam:
Bem, ainda não disse mas sendo ela enfermeira e eu um acidentado nato, a atracção mútua parece inevitável, e eu, em conversas que se desenrolavam, acabava por desvendar sempre mais um episódio clínico que me tivesse acontecido. Resumido numa única conversa seria algo assim:
- Sabes que eu tive um Apgar 5! - digo eu meio orgulhoso!
- 5?! Que cena! Como é que é possível? Por isso é que tu és assim!
- Ah foi porque nasci com o cordão umbilical enrolado à volta do pescoço, estava cianótico e tudo!
- Ena pá! - admirou ela perante a minha voz cada vez mais melosa;
- Depois tive rubéola duas vezes!
- Ora! Isso é impossível!
- Mas tive mesmo! Não ganhei imunidade da primeira vez por isso apanhei duas vezes! - e ela cada vez mais encantada!
- Mas há mais! Logo passado uns meses descobriram-me uma cardiopatia congénita!
- Tens um sopro no coração!?
- Tenho, mas é um soprinho muito pequenino, não interessa a ninguém, já a cardiopatia fez o médico chamar todos os internos quando fui fazer a eco! - eu tenho esta capacidade de encantar tudo o que é pessoal médico...
- Depois disso foi mais trauma: parti a cabeça, a mão, fiz uma loxação nas duas rótulas, desloquei a clavícula, parti o nariz, fiz rupturas musculares, entorses, etc... - e à medida que eu ia dizendo isto ela acompanhava com ahh! e ohh! como quem vê um fogo de artifício!
- E essa cicatriz que tens no pescoço?
- Isto era um tumor que estava aqui embrenhado no plexo braquial, mas graças a Deus e ao histopatologista que o analisou veio revelar-se benigno!
Por último foi o dia em que era para ir beber café contigo numa tarde de sábado mas esbarrei contra uma acácia na noite anterior, fiz os golpes no joelho, no queixo, e a amputação do dedo...
E aqui é tudo aconteceu! É que para quem olha para feridas como eu olho para esparguete à carbonara, um politraumatizado é um docinho caído do céu! Entre mudas de pensos e arrancar de pontos os conspiradores que em tempos eram tão poucos, começaram a reunir conjectores mesmo no meio dos nossos amigos... Mas nada existia de facto e quando chegou o Verão (altura do ano aparentemente propícia) e nada aconteceu, os conspiradores reagiram num acto de fúria: "BASTA! Mandem-nos sozinhos para uma ilha!!" E fomos os dois para os Açores! E aí sim!
Parecia ser óbvio já para tantos, que aparentemente nós fomos mesmo os últimos a perceber! A conspiração havia de confirmar-se dez anos após aquele em que a conheci, e volvidos vinte e quatro sobre o início da conspiração, os conspiradores de então, puderam então descansar!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Saudades?!

Não, não morri! Desde o início de Julho (última data de publicação) fiz muita coisa, vejam:
Despachei as cadeiras todas na faculdade, peguei em mim e fui para o faial, passados quatro dias fui para o pico, fiz snorkling, mergulho, vi roazes, cachalotes e golfinhos comuns enquanto nadava, vi peixes-voadores, moreias, meros, vejas, bicudas, Thalassomas e Abudefdufs, peixe-porco, vi também águias, garajaus, cagarras. Vi grutas, algares, caldeiras, cones vulcânicos e lages. Comi queijos do pico, do faial e de são jorge, alcatra no forno, bicuda panada, filetes de peixe-porco pescado e amanhado por mim, lapas, cracas. Bebi gins tónicos na esplanada do Peter's Café Sport a ver o topo do Pico a sobressair nas nuvens, bebi verdelho de São Jorge, vinho morangueiro do Pico. Fui à festa na Madalena, em São Roque e na Horta, vi a rita red shoes, os deolinda, os buraka som sistema e evitei ver o mickael carreira. De volta ao continente passei em casa para apanhar o carro e levei a roupa suja nos açores e fui lavá-la ao algarve, pesquei e apanhei sol e passado uma semana voltei a lisboa. Desafiado por amigos voltei ao sul por mais uns dias desta vez em alvor. Uns dias na costa alentejana deram para uma limpeza subaquática em sines, um mergulho em porto covo e mais umas horas de sol na praia. Voltei ao norte mas não por muito tempo pois viria a passar um fim de semana no alqueva. Ao fim de uns dias em Lx e já com vontade de ir a algum lado, por sms chega o convite para fazer uma campanha de campo em tróia instalado no... troiaresort! Mais um fim de semana grande e andando de carro só parei em sevilha. Inscrevi-me na FCUL, no curso de patrão local e noutro de estatística.
E perguntam vocês, e não houve tempo para escrever nada no blogue?! E a verdade é que houve.. e temas também! Mas talvez não tenha havido paciência, agora que quebrei a inércia com este post que não tem outro propósito senão esse, podem esperar posts com maior regularidade! A reentré chegou!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

P.Y.T

"You were such a P.Y.T
Catching all the lights
Just easy as A.B.C
That's how we make it right"

Justice

O melhor do mundo são as crianças! Têm aquela capacidade de maravilhar com os seus pequenos progressos o adulto menos impressionável, olhamos para elas quando nascem e vemos criaturas indefesas e fixamos aquela imagem da vulnerabilidade muito para além dos primeiros meses de vida do bebé, e o resultado é que à medida que elas vão crescendo, nós retemos a imagem dos primeiros tempos: chorar, comer e dormir, e ficamos estarrecidos a cada acção nova mostrada pelo bebé! É realmente encantador, e depois fazemos questão de anunciar ao mundo inteiro que «o meu filho já pega no biberão!!!». Eu já estou naquela idade, em que não tendo filhos, começo a ficar rodeado de amigos que os têm! Uns quiseram tê-los, outros não estando a pensar nisso, acolheram bem a ideia de os ter, já dizia o Balhanas «isto é como o totoloto, só sai a quem joga!!», mas dizia eu, vejo-me rodeado de amigos que já os têm e acabo por assistir, e encantar-me eu próprio com o crescimento dos miúdos! E depois, o que é ainda mais giro, é que o filho de um é sempre o mais esperto, o mais activo, o mais malandro, o mais tudo... Começa logo no nascimento, o puto nasce e o pai vem logo babar-se com os amigos mostrar uma foto do telemóvel «Epá, olha pra isto! O meu filho tem uns g'andas tomates!!!», mas depois os miúdos estão sempre a surpreender, e eu acho que para além do facto que disse em cima, que fixamos a imagem da vulnerabilidade, há ainda o facto de independentemente de o miúdo ser realmente um prodígio ou um verdadeiro estúpido, a expectativa é sempre em função do ambiente familiar, e por isso os paizinhos que não se dediquem a estimular o ambiente do bebé ficarão tão surpreendidos quanto aqueles que de tanta estimulação deixariam o mais zeloso pediatra embevecido, porque na realidade os miúdos vão sempre superar a nossa expectativa! A minha querida prima Rita, tinha alguns quatro anos quando o meu tio lhe perguntou «Oh rita andaste a mexer no computador?», sim porque aos quatro anos os putos "mexem" no computador, não o "usam", não é? E a minha querida prima rita respondeu do alto da sua idade menor «Andei! Troquei a password e agora não podes usar!».
Mas há coisas mais mundanas que não nos deixam de surpreender, imaginem uma avó (as avós tem muito jeito para contar as façanhas dos netos, metem-se com uma mão na anca, outra à frente da boca, e segredam para mais cinco velhas, como se as acções dos netos fossem secretas de tão inauditas) a dizer «Olha, eu vinha no metro mais a 'nha neta, entra um senhor negro muito alto e ela pergunta assim, ai como é que ela disse mesmo, ah pois foi! disse assim: (e depois imitam a fonética de uma criança de três anos) oh sinhore, poqué que o sinhore está tão escuio?»
Esta da fonética é que eu nunca entendi, é que eu falo com as crianças de três anos como falo com um catedrático, e convenhamos: não falo à bebé com um catedrático! Os popós, os memés, o tinóni, começo logo a franzir a cara, parecem o manjerico a falar, são miúdos, hão vir a falar como gente ou não? É a dizer «oh tóia sóia, tóia sóia?» que vai viver no nosso mundo? Se ainda fosse no dos Amigos do Gaspar...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O Beijo

O beijo é uma coisa muito latina, não é? Eu acho que é, reparem lá: à excepção da bélgica que dão três beijos, e da rússia que dão só um na boca, só os latinos é que se beijam para se cumprimentarem. Os asiáticos têm arritmias só do mero contacto entre mãos, e os árabes então só uma troca de olhares dá logo direito a casamento. Mas nós não, nós beijamos até aquele que acabámos de conhecer! Agora, como é que fazemos quando estamos a lidar com aquele(a)-que-não-beija quando cumprimenta? Eu próprio já me vi metido numa situação destas e digo-vos que é estranho. Quando fui para os Estados Unidos, logo na primeira noite, são-me apresentadas as minhas "irmãs" que me estendem a mão, e eu naquela de tentar ser o mais caloroso possível, (pois porque nós apesar dos beijos indiscriminados, retraímo-nos na hora de beijar alguém num contacto mais formal)portanto eu não queria ser formal, agarro-lhe a mão sim senhor, mas logo a puxo para aviar dois beijos nas bochechas das americanas. Elas entre-olharam-se de sobrolho alçado como quem pensa «este miúdo está-se a esticar, não?!» todas vermelhas, percebi o momento estranho e lá lhes disse que em portugal beijamo-nos a toda à hora... e a partir daí, passaram a palavra às amigas delas, que já vinham de cara estendida para beijar o português, quando passavam lá em casa. O que não deixa de ser chato são aquelas pessoas que beijam por tudo e por nada, vejo-as de manhã: «Ah, dá cá dois beijinhos, nem dizes nada...» que isto é assim, um gajo entra calado mas cumprindo o ritual do beijinho, nem bons-dias precisa de dar, já o contrário não é verdadeiro. Depois, saímos antes do almoço: «Vais-te embora? E nem há dois beijinhos nem nada?!» Ou então também há aquelas situações de beijar uma mesa inteira de gente, pá, não dá mesmo! Eu acho que é por isso que os socialites só dão um beijo, toda a gente sabe que os socialites vão a muitos jantares e recepções, é que uma mesa com vinte pessoas são quarenta beijos, é muito beijo, e depois aquelas fintas que há sempre: eu dou o lado direito, ela dá o lado esquerdo, e depois vice-versa, como aquelas danças nos passeios passo-eu-passas-tu, e às tantas temos que voltar ao início do ritual que já estamos quase a dar um beijo é na boca, e nisto perde-se tempo, claro que se perde tempo, nesses casos é muito mais prático. Devia haver regras, como na náutica, em caso de colisão eu vou para a direita e tu vais para a direita, assim não há aqueles beijos à esquimó no manda a cara para um lado, manda a cara para o outro. Mas apesar de tudo isto eu gosto disto dos beijos, e acho piada identificar o beijo-próprio de cada pessoa, é claro que eu só identifico isto no universo feminino, poucos são os homens que beijo, lá os meus irmãos, o meu pai, algum amigo já com os copos também leva um beijinho, mas de resto é só mulheres. E como estava a dizer, acho mesmo piada ao beijo-próprio de cada uma, há aquelas que fazem aquele huumm ao beijar, é giro pá! revela ali uma certa dedicação, uma vontade em querer que o beijo não passe despercebido. E depois à aquele beijo repenicado, esse já não gosto tanto, fere-me os tímpanos. E por falar em tímpanos, há aqueles beijos dados nas orelhas que é uma coisa bem irritante, pá, tanta bochecha disponível, e vão-me beijar lá prás orelhas?! tenham dó. Eu pessoalmente, não dou propriamente beijos, é mais um encostar de bochecha, isto chega a irritar algumas mulheres, que logo reivindicam o seu direito inalienável de uns lábios encostados à sua bochecha, e eu acedo claro está!
Mas aqueles que mais me intrigam são mesmo os dos socialites, eu um dia destes ainda vou descobrir o porquê daquilo, é do elitismo? é dos tais jantares com muita gente? não sei... Eu fico sempre intrigado, quando me vejo nestes meios dou por mim, qual biólogo, a tentar escrutinar os meandros deste comportamento. A cada pessoa que chega eu fico a ver: dá a face esquerda ou dá a face direita? e quando dá outro beijo a outra pessoa, mantém a mesma face ou já oferece a outra? Depois estas coisas de elitismos dá azo a que as pessoas se previnam: antes de dar a cara avisam logo, até parece que estamos a brincar ao "quantos queres", dizem «dois beijinhos!» ou então «um beijinho!», porque senão é chato, eu pessoa-que-dá-dois-beijos vou pronto para os dar e a pessoa-que-dá-um-beijo deixa-me de cara pendurada...

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Semestre Seis

Ler o Livro verde e compreendar a estratégia europeia para o mar, o Plano de ordenamento da orla costeira de Caminha/Espinho com respectivas UOPG's e PMOT's, o Plano Sectorial da Rede Natura 2000, o Domínio Público Hídrico, a legislação aplícavel à Reserva Ecológica Nacional, a Reserva Agrícola Nacional, o PDM, o programa Polis Litoral Norte, a Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira, a Estratégia Nacional do Mar...
Andar de cú para o ar na praia das Avencas a contar cracas de meio milímetro para fazer uma Nested ANOVA (análise de variância aninhada, sim eu sei, parace o nome de uma jogadora de ténis russa, mas há mais...), andar de cú para o ar a contar a biodiversidade existente dentro e fora de enclaves do intertidal e fazer uma MANOVA (está-se mesmo a ver que é uma análise de variância multivariada).. Ou ainda contar lapas e fazer uma ANCOVA (análise da covariância, claro está!)
Ficar prisioneiro da ilha da berlenga por sete dias a contar Podarcis bocagei berlengensis (lagartixas) e fazer um teste-t (este compara médias).
Consultar o Livro Vermelho e saber o estatuto de conservação das espécies, debruçar-me durante um semestre sobre egagrópilas de Tyto alba (regurgitações de Coruja das Torres) ainda húmidas a emanar um cheiro capaz de arrancar o vómito à mais anósmia criatura, tudo isto feito no laboratório de ictiologia, este empregnado com os aromas em fuga dos frascos de mocambo com vinte anos aos quais o alcool/formol usados para conservar os peixes há muito corroeram a borracha que os veda, para no fim fazer um teste do qui quadrado (este distingue valores esperados dos observados) ao número de bichos encontrados.
Aplicar índices de massa corporal, shannon-wiener, simpson, pinkas e avaliar uma comunidade de peixes, observar dezenas de preparações de gónadas de peixes, igual número de escamas e otólitos, averiguando a idade, ah! no mesmíssimo e agradabillíssimo laboratório de ictiologia.
Repetir experiências químicas que de tão básicas e entediantes ainda apertam mais o nó da garganta de não ter passado no exame teórico à primeira, nem à segunda.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A minha amiga Jubera

Era já próximo da passagem de ano. O Alexandre pôs na cabeça que havia de se embiscoirar (verbo empregue no dialecto scalabitano, donde o Alexandre é nativo) com uma mulher ainda antes das últimas badaladas do ano! As possibilidades eram fracas: mulheres que ele conhecia já o conheciam a ele desde há anos, perdia-se assim aquele encanto, tantas vezes enganador, de trocas de olhos fugazes, aquela faísca que o Alexandre procurava «deixem lá isso de relações sérias, pá! Eu só me quero enrolar com alguém antes que acabe o ano!» confessava ele à sua amissíssima Jubera. Esta, perguntava-lhe a modos que perscrutando uma solução para o amigo aflito «Ouve cá, vai na volta estás a ter uma abordagem que não propicia esses tipos de contactos...» «Jubera, te digo que a minha abordagem é infalível!!!» O Alexandre era rapaz de um entusiasmo invejável, cabelo aos caracolinhos, maneiras de um miúdo de doze anos encerradas no corpo de vinte e dois, um pintas de olho esperto e movimentos rápidos, skater de meia-leca, continha, apesar de tudo, um charme raro capaz de agradar ao género de moças que se deixa agradar por isto! «Jubera, ouve-me esta: Chego de sorriso, encosto-me mansinho e digo-lhe ao ouvido baixinho "Alex e durex, 'bora?!"» «Por amor de deus Alexandre estás-me a gozar, esperas que eu acredite que alguém cai nessa? Isso até parece o slogan do restaurador olex» «Até agora, houve uma sardenta com pinta que me pediu para repetir a frase... mas isso não interessa, não vou mudar de estratégia...» Jubera rapidamente esqueceu os delírios do Alexandre, e deixou-se andar sem o ver ainda durante uns tempos bons, ela que tinha a tão desagradável mania de alcovitar o Alexandre com todas as suas amigas, roladas noutros círculos e perfeitamente desajustadas da fibra gingona de Alexandre. Não voltou a ver o Alexandre antes da passagem de ano. Na verdade, desencontros sucessivos ditaram o reencontro dos amigos já a acabar a primavera. «Jubera! Bons olhos te vejam! Nem sonhas como ando aflito, já nem eu próprio acredito! Estava capaz de escalar prédios, ando à míngua desde Abril, vê lá tu bem!» como Jubera o compreende, também ela assaz carente de um calor mais humano que o do gato «Tu também?! Credo, mesmo assim estás melhor que eu, que tive um conforto já longínquo aí numa tarde invernosa de Fevereiro...» Alexandre indigna-se com o lamento «FEVEREIRO?! MAS DE QUE ANO?!» Jubera tinha subestimado a angústia do seu amigo, é que a míngua a que ele se referia já vinha do ano passado! «Maior crueldade passou-se Março passado, levaram-me a uma lan-party em Alcabideche, e lá conheci uma daquelas tipas que se vestem à lolita japonesa, mas uma gaja já com idade para ter juízo!» «Que é isso de lolita japonesa?!» pergunta a Jubera de cara enrugada «Pá, são tipas que a cena delas é vestirem-se de criança mas com roupas provocantes como fazem lá muito no Japão. Bom, com juízo ou não, havia já muito a perder e achei por bem guardar aquela frase que já conheces para um momento mais próprio, por isso convidei-a para beber um red bull e depois pedi-lhe o número de telemóvel!» «Estás a ver Alexandre, aí já soubeste adequar a abordagem!» «Espera! É que acontece que nós estávamos a ligar e eu quebro-lhe mesmo a minha rotina em cima, e a frase pega mesmo!! Eu nem queria acreditar! Só havia um problema: o Alex estava sem durex!» «Oh Alexandre, por amor ao senhor, não digas essa frase à minha frente...» «Está bem, mas repara, digo à tipa para não ir a lado nenhum e saio a correr à procura daquelas máquinas de preservativos. Farto já de andar à parva, dirijo-me a um polícia de giro a perguntar "que é da farmácia?!" mas o tipo não percebeu bem o que eu queria, responde-me "Oh amigo, isso farmácia a esta hora só está aberta a de serviço, espere um minuto que eu vou ligar à central... Olhe a farmácia de serviço é a farmácia Zilhão!" agradeço ao senhor agente e lá vou eu à procura da farmácia Zilhão. Ao longe já vejo a luz verde a piscar, vou preparando o trocos e já estou a acabar de contá-los junto à máquina quando sou alertado pelo farmacêutico, que a máquina estava avariada... Pago-lhe uma caixa de seis, e volto já de entusiasmo morninho lá para o raio da lan-party, vou para a praça de táxis a ver se apanho um taxi, que tinha andado tanto que já estava muito longe da lan-party...» enquanto o alexandre recupera o fôlego para acabar a estória, Jubera suspira um «Que noite mais marada oh alexandre» «E ainda não viste nada» retoma o alexandre «A caminho da lan-party, sou abordado por cinco tipos de mau aspecto, mas eu fico na minha, sempre a andar, mas os sacanas vêm ter comigo... E não é que me roubam! Levam-me o telemóvel, o dinheiro e os durex's! Fico sem o número da tipa, sem dinheiro para voltar, e sem durex's outra vez! Fiquei danado, ainda lhes gritei: "Já que não me deixam foder a mim, FODAM-SE VOCÊS TODOS, SEUS GRANDES CABRÕES!!!"»

sábado, 13 de junho de 2009

13 de Junho

do que vi ou do que vejo não mais sei. uma mulher de cinquenta e qualquer coisa anos sai do carro, é flácida, ajeita o top e manda o cabelo para trás da orelha direita enquanto se prepara para abrir a mala do carro. mas eu continuo a andar. o chão cola do nectar dos jacarandas, suo da testa e limpo-me à manga da camisa. está agora a passar o autocarro que eu não quis apanhar lá em baixo, o painel dizia que demorava oito minutos mas eu tenho raiva de esperar...
não me lembro onde estive ou o que fiz, nada. quando dei por mim estava na linha vermelha do metro, mas não sei em que sentido, subi à superfície e estava em chelas ou em belas, já era dia. mandei parar um taxi, era uma mulher, deitei-me no banco de trás, disse-me que eu estava com mau aspecto e eu respondi-lhe «pois», tinha um ar maternal quando lhe paguei olhou para mim com cara de uma aflição comedida de quem tem a compaixão por um mau estar alheio. dentes mal feitos e cabelo pintado ainda me disse veja lá se dorme. durmo pois, caí na cama e dormi.
no autocarro não me parava a tosse, estava cheio de gente a ir para o trabalho, não tinha horas mas deviam ser horas de ir para o trabalho. não me lembro de o ter apanhado nem de ter saído, tinha um gajo gordo ao meu lado com uma t-shirt promocional branca já velha e transparente e curta que lhe descobria a barriga.
vadiei por umas horas por sitios que habitualmente não passo. ruas vazias estradas caladas, ninguem me pode contactar nem eu posso falar com ninguem, não tenho telemovel, não sabia para onde ia nem sei onde estive, acho que foi em xabregas, ou então foi junto ao rio.
adormeci algures.
na graça dançava-se e fazia-se o comboio à volta da fonte, cheirava a sardinhas obviamente, as pessoas estavam animadas, era estranho parecia estarem mais animadas do que seria suposto, parecia uma encenação, um estado de obrigação, um ânimo festivo auto-imposto... descemos até alfama e depois perdi-me dos outros.
o jantar foi arroz de polvo e lasanha vegetariana, havia cerveja sumos e sévanape e eu fiz sangria tinta mas não bebi que aquilo é muito doce. a salada estava temperada com mel e vinagre e também era muito doce. e o gelado que arrisquei comer também era particularmente doce. as caricas da cerveja davam para abrir sem abre-caricas, tinham uma argolinha que se puxava. falámos de coisas que se falam ao jantar, o trabalho, as férias, onde temos estado, o que queríamos ter feito mas não tivemos tempo ou estávamos demasiado cansados para fazer, e porque é que estávamos muito cansados, os amigos que não vieram e o que é que ficaram a fazer. pedimos ao vizinho que baixe um bocadinho o electrotrance ainda por cima reles, só o suficiente para ouvir a nossa própria música.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Pau de Arara

Eu um dia cansado que tava
da fome que eu tinha
eu não tinha nada
que fome que eu tinha,
que seca danada no meu Ceará
eu peguei e juntei
um restinho de coisas que eu tinha:
duas calças velhas e uma violinha
e num pau de arara
toquei para cá.
E de noite eu ficava na praia de Copacabana
zazando na praia de Copacabana
dançando o chachado pras moças olhá

Vinicius de Moraes

Um pau de arara foi um instrumento de tortura usado no Brasil durante a ditadura, consiste em prender uma pessoa numa vara pelos joelhos, como num trapézio, e depois amarrar as mãos à frente das tíbias passando os braços por baixo da vara. Com a pessoa assim pendurada, fazia-se depois trinta por uma linha, portanto, a tortura propriamente dita.
Hoje o nome pau de arara é dado a uns "autocarros" do nordeste brasileiro, autocarros está entre aspas porque aquilo são na verdade camiões de caixa aberta com um toldo e uma escada na caixa que vai apanhando gente pelo caminho... Não é dificil perceber porque chamam pau de arara àquilo, é que andar num deve ser pelo menos parecido a ser torturado no outro!
Mas por que é que eu me lembrei do pau de arara?! É que (tenho que abrir um parênteses para enaltecer a melhoria dos transportes, mas) andar de autocarro em Lisboa em hora de ponta pode ser tão penoso como andar num pau de arara.
Começo nos cheiros, saio de casa lavadinho e cheirosinho q.b. tenho que gramar logo de manhã com perfumes merdosos que às vezes rivalizam com os mais pastosos aromas a suor em capacidade de enojar uma pessoa , tudo isto misturado com um calor estúpido... Bem mas não quero entrar por aqui, o que queria mesmo era abrir uma pasta, a pasta "Pau de Arara", na qual me proponho a relatar os mais belos diálogos ouvidos nos autocarros! Mandasse eu no mundo e sociólogos, psicólogos, antropólogos sociais e biológicos, e quaisquer outros cujo dia-a-dia envolva um contacto profissional com humanos seriam obrigados a andar de transportes públicos, pelo menos durante um ano. Um autocarro encerra em si mesmo o mais acessível laboratório para a análise das relações humanas e de uma sociedade, de tal forma, que através dos diálogos relatados tentarei, tanto quanto possível, fazer essa mesma análise.

Carreira 755 (direcção Fonte do Bispo)

Ainda mal apanhei o autocarro e já me dá um aperto no peito por saber que não reterei nem um quinto do diálogo que estou a ouvir... Apanho-o na alameda da Universidade, direcção Fonte do Bispo, e logo no primeiro cruzamento mete-se à nossa frente um fogareiro que obriga o nosso motorista a uma tal travagem que só páro junto dele. Uma mulher no primeiro assento não aguenta o grito estridente a acusar o embate eminente, este actua como desencadeador do diálogo. [o bicho-homem é um bicho com piada, já dizia o desmond morris, e isto de seguir num autocarro em silêncio rodeado por tantos outros bichos começa a acumular uma certa tensão, esta dizia o freud, assim que a mulher do primeiro assento gritou, desenrolou-se uma conversa que chegou a inclui quatro outros bichos e prolongou-se até depois de eu sair do autocarro) «AAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!!!» gritou a mulher «Tenha calma minha senhora, os taxistas são todos uns animais, é o que eles são, mas eu já não me enervo. Sabe que depois aqui a bomba da caixa não aguenta, a gente tem é que manter a calma!» o motorista tinha aí uns cinquenta anos, sotaque lisboeta até mais não, que para quem desconhece consiste em sonorizar os s's das palavras assim com trocar por e's por a's de algumas palavras: joelho lê-se joalho, telha lê-se talha, por aí fora. «Ai desculpe eu ter gritado, mas é q'eu já estava mesmo a ver que ia sair disparada pelo vidro da frente e ficava já aqui... Ai, é que eu sou muito nervosa, mexe-se-me com os nervos, as pessoas que não sabem conduzir não deviam andar na estrada!» «Eles são todos uns animais» repete o motorista «Mas a gente não se pode enervar, você se viesse pr'aqui pra onde eu tou, passavam-se-lhe logo os nervos ao fim de uma semana, esses gajos são uns animais, é só biscateiros não têm respeito nenhum por nada, não é como nós» lá do fundo grita uma velha «Ainda hoje vi um acidente com um taxista!» mas a mulher do primeiro assento insiste «Eu sou muito nervosa, tirei a carta vai pra vinte e dois anos, no primeiro dia que me pus à estrada mandei três velhos pró hospital, disse logo: Nunca mais toco num carro!» mete-se outra velha à conversa, que até se levanta um palmo dos bancos de mobilidade reduzida a modos que aflita pela resposta: «E morreram os velhinhos, morreram?!» «Não, graças a deus, dois saíram logo do hospital e o outro saiu ao fim de oito dias, mas o que é que quer, eu vi os velhos junto à estrada quis travar acelerei, bumba, vá três velhos pró hospital»

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Saída de Campo: Berlengas

A Ida!
Tinha-me deitado sem tempo para arrumar o que devia e portanto decidido que havia de acordar às cinco a fim de carregar a carrinha com bens e haveres para cinco pessoas durante sete dias, correspondente quantidade de água mineral: 100 L (letra maiúscula de acordo com a nova nomenclatura S.I.) fazer a mala da roupa, juntar tachos, panelas, talheres, camping gaz e outros que tais necessários ao normal funcionamento da vida em sociedade. Vida em sociedade, pois! Ou acham que eu ia para o forte de São João Baptista, na mui bela ilha da Berlenga, sem os preceitos de uma vida no seio da urbanidade?! Ainda assim, faltaram-me: naprons, toalhas de mesa, talheres de peixe, argolas de guardanapos, perfume... Mas dizia eu, tinha posto o despertador para as cinco e acordei! Mas adormeci logo de seguida para voltar a acordar às sete pelo telefonema do Tiago (nome fictício) convencido que eu o havia de ir buscar. Puro engano! O didgeredoo, a comida extra, roupas e sei lá que mais teriam de ser carregados por ele... Louvo o telefonema, com tudo isto para fazer ainda tinha combinado apanhar as coisas da Diana e ela própria às oito e meia... Cumpro a combinação com quarto de hora de atraso e seguimos para o porto de Peniche.
No cais espera-nos a traineira Julius (não dá mesmo para adivinhar o nome do comandante pois não?!). Uma hora de caminho e estamos na ilha da Berlenga, o professor que desde que embarcou não mais parará de contar as suas desventuras de aquém e de além mar, pela primeira vez em quinze anos de idas às Berlengas não
enjoou!
O Forte de São João Baptista!
O forte está entregue a meia dúzia de pescadores devidamente autorizados para o efeito e cujo o dia-a-dia consiste em pescar, claro está, apanhar quilos de percebes por dia (que depois enviam para o continente não sem cozer uma parte para eles, os grandes cabrões, eu nem uma lapa podia apanhar...) restaurar o forte, e conviverem tão tranquila e estupidamente quanto seria suposto nós, os estudantes universitários inconscientes, fazermos: atiram baldes de áqua pela janela, escondem a roupa uns dos outros, metem sal a mais na comida dos demais, fumam e bebem valentemente e lá para meio da semana haviam de trazer umas mulheres (se eram as deles ou não, é que eu não sei!) para combater a insularidade!!!
A Ilha!
A ilha é um calhau que aparentemente cá ficou aquando da deriva da américa, é um maciço de granito rosado com um perímetro de escarpas e um planalto verdejante. Para subir ao planalto não mais eram que 290 degraus, alguns de meio metro que o meu caro amigo Tiago subia e descia em menos de sete minutos, dada a sua evidente e fabulosa forma física! De tanto subir e descer, eu próprio descobri, ao fim de cinco dias, músculos na barriga que não via desde o secundário!
As Desventuras do Prof Jorge!
A cada vez que nos parávamos juntamente com o Prof. Jorge, surgia no meio da conversa, olha pá, isso lembra-me uma vez pá, e daqui saia mais uma desventura do Prof. Jorge, é que o Prof. já morou no mundo inteiro (nascido na Guiné, vivido em Moçambique, Angola, Brasil, Peru, Nova Zelândia, Ilhas Fiji, Estados Unidos e outros tantos que já nem me lembro) e teve, a julgar pelos relatos, as mais incríveis desventuras que obviamente me escusarei aqui de revelar, mas isto digo: são desventuras porque são sempre tão insólitas e penosas que não poderiam ser chamadas de aventuras, mas são de tal modo fantásticas que rogo neste blogue ao professor que procure urgentemente um ilustrador e dê largas a uma colecção de B.D. pois estou certo que seria das melhores de sempre!
Os aposentos!
Ao chegar fomos conhecer os nossos aposentos, se uns ficaram em quartos empanturrados aos seis e oito em cada divisão, eu fiquei numa cela de dois metros e meio por metro e vinte de largo onde cabia um beliche, o espaço necessário para abrir a porta, e uma bela cómoda de meio metro de altura com um tampo de trinta por trinta centímetros e um pé manco, a qual insisti, em vão, para que ficasse no quarto, mais uma vez no intuito de manter uma certa ordem e aprumo que me aproximasse de rituais mundanos: chegar a casa e pousar as chaves e o telemóvel na cómoda, mas que o Fred (nome fictício), meu room-mate, me demoveu a substituir pela mala dele para a dita não ficar na rua...
As refeições!
Assim que chegámos, o grupo das lagartixas, logo preparámos um farnelinho trazido de casa composto por croquetes, queijos, chouriços e uma garrafa de Quinta de Cabriz! Para o jantar comemos ovos escalfados com ervilhas e ovos e eu próprio tinha preparado em terra (quem vai para o mar avia-se em terra, qual velho lobo do mar, vide post anterior!) uma ementa orientadora na qual constavam refeições como jardineira de soja, caldeirada de enlatados, massa de atum... Eram feitas e servidas por mim, assim como as sandes do almoço, a pontos de enquanto jogava cartas com outro grupo ser abordado pela Susana (nome fictício) do meu grupo a perguntar, paizinho o que é o jantar? E aquilo pegou de tal maneira que os restantes membros do grupo já se tratavam por manos! Agora, não se deixem enganar pela aparente sumptuosidade das nossas refeições, é que foi nas berlengas que provei o PIOR CAFÉ SOLÚVEL DO MUNDO, que nem saturado em açúcar seria bebível, à minha volta notava expressões na cara das pessoas como se estivessem a beber vinagre num copito de plástico, que coisa mais nojenta, valha-me deus nosso senhor! E como não quero que ninguém mais volte a provar aquela zurrapa, qualquer que tenha sido o crime cometido, aqui vos acautelo: o PIOR CAFÉ SOLÚVEL DO MUNDO é o café da marca "é" do continente, até o nome "é" uma merda...
As Dificuldades na Amostragem!
Ainda não tinha dito, mas fui às Berlengas com o plano de, por meio de transectos, relacionar a ocorrência da espécie Podarcis bocagei berlengensis, a.k.a. lagartixa, com diferentes tipos de flora, exposição eólica, e geomorfologia. Isto implicava expor-me a ventos ciclónicos, escalar escarpas e vertentes de rocha solta, campos de urtigas e talvez o pior, caminhar sob milhares de gaivotas. De repente sinto-me um vietcong no filme do Coppola, as gaivotas riem-se como o Duvall, oiço as Valquírias quando vejo as aves descolarem, um esquadrão de merda desertinho para me atingir, parecem aqueles helicópteros dos filmes a metralhar, só se vêem nuvens de pó seguidas a correr pelo chão ao encontro dos homens tratátátá eu parado como um guarda-redes, pernas flectidas pronto a saltar para um lado ou outro, salto, não salto? tento alcançar o capuz do impermeável que está preso na correia do binóculo, e mais uma rajada de cagadas, e eu não acho o capuz, foda-se já me cagaram foda-se pá esta merda tem um cheiro nojento a peixe, menos mal que foi no casaco... Ainda havia as tocas dos coelhos, tantas vezes escondidas, que ao caminharmos sobre elas cediam e engoliam-nos os pés até ao joelho, mais as urtigas com as quais o meu room-mate teve um encontro cara-a-cara!
A Higiene!
Já tinham passado dois dias, os cabelos sebosos escondidos em fitas e rabos-de-cavalo, sovacos e virilhas limpos a toque de dodots, e remelas persistentes nos cantos dos olhos. A sujidade não era pouca: quartos a desfazerem-se em salitre, maresia a enevoar óculos e binóculos, colchões sempre húmidos e bafientos da infatigável rebentação contra o forte. Nesse dia acordei a babar-me de cara encostada no colchão, aguentei o vómito mas decidi, hoje vou ao banho... Não havia água doce canalizada, havia sim água salgada à temperatura do mar, doze graus. Mas meus caros leitores, se insisto em manter uma cómoda na cela, obviamente não ia tomar banho no mar! Levei daqueles sacos de plástico preto com uma mangueira e antes de subir ao planalto para amostrar lagartixas deixei-o carregado de água mineral para aquecer, quando cheguei tinha à minha espera um banho quente de água mineral!!! Creio que não me mandaram ao mar depois do banho por muito pouco...
A Besta!
A Besta tornou-se um mito! Em anos passados, os alunos eram obrigados a descer às catacumbas do forte, nas quais existe um parapeito com vista para o mar corrido a tábuas e um tampo de sanita pregado nelas! Esta era a casa de banho antes da água salgada canalizada e usada nas retretes, ia-se cagar ao som da rebentação, a maresia a perfumar o rabo e encontros imediatos em preparos menos compostos não foram raros. Recebemos essa bela notícia quando chegámos, a de que este ano haveria retretes ocidentalizadas, mas não íamos deixar de dar forma à imagem do mito que vinha a ser adivinhada desde o início do semestre. Na última noite, que reservamos para jogar poker e beber uns copos, lá fomos de lanterna em punho rumo às escuras e sinistras catacumbas. Tirar umas fotos sentado nas tábuas, pregar uns cagaços aos nervos mais trémulos, e ficou cumprida a homenagem à Besta!
O Síndrome da Insularidade!
Tantas vezes citado, tornara-se uma desculpa para cada vez que alguém fazia merda, pôr água a mais no já péssimo café, enganos nas contas de totais de lagartixas, esgares de cansaço nuca encostada aos ombros e boca entre-aberta admirando o vazio sentado num banco, irritações várias, nóias dificilmente discerníveis... senão à luz da insularidade: são particularidades de uma vida em conjunto, é que na faculdade lá nos vamos vendo, mas fartando-nos uns dos outros voltamos para o sossego do nosso lar, agora numa ilha porra! São vinte e quatro sobre vinte e quatro horas a aturarmo-nos uns aos outros, ainda por cima alguns mal comidos, outros mal lavados e todos cansados...
O Caso Pictionary
O caso Pictionary, foi um caso particular do síndrome da insularidade. Todas as noites nos reuníamos a jogar pictionary a pontos de haver três grupos de seis pessoas cada, sobrando uma gritaria imensa para tentar fazer valer a palavra associada aos rabiscos do papel (só por picardia aos gajos que fizeram o jogo, digam-lá, vós, meus queridos leitores, como é que se desenha debruar???) isto levava a que a resposta certa se perdesse nos berros dos participantes, de maneira que surgiu uma nova regra, aquele que apanhasse a ampulheta primeiro após dizer a palavra certa ganhava. Roupa mal lavada no campo e divergências quanto à nova regra conduzem a um tal arraial de porrada verbal e amuos conseguintes, um começa por dizer que assim já não joga mais, pá eu assim não jogo foda-se, outro insiste na injustiça da regra já aceite, tu és estúpido ou és bronco?, outro perante a escalada verbal oferece porrada para matar um regimento, eu fodo-te os dentes à cotovelada oh anormal de merda, e em menos de nada o jogo acaba com um clima de velório. Folgo em anunciar que não fomos dormir sem resolver a quezília e que no dia seguinte lá estávamos para jogar novamente, e ganhar!
A volta!
À volta seguimos novamente em duas vagas, eu fui na segunda tão somente para poder acenar com lencinhos brancos a partida dos meus queridos colegas, mas nalguma hora a partida tinha que chegar, e lá parti também umas horas mais tarde desta bela ilha. No mar as ondas abordavam o Julius de lado, provocando um movimento lateral bem mais agreste de aguentar que o movimento de acima/abaixo que nos acompanhou à ida (só de falar nisso até estou a ficar enjoado), enfim chegámos! Nos cais, como combinado desde há dias, lá gritamos o ipiranga da Berlenga: NÓS VOLTÁMOS!!!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Marinheiro de Banheira

Ia intitular este post de "Marinheiro de Água Doce", mas acho que ainda assim seria abusivo tendo em conta a história que vou contar.
Desde há tempos que o meu pai tem tido sempre um barco, no início comprou um barco de plástico verde. Era um barco bem pequeno, levava no máximo 3 pessoas, que ele tinha comprado para ir à pesca no rio e que mais tarde era levado em cima da carrinha galaxy lá para o algarve para fazermos a travessia da ria formosa. A cada barco houve sempre cóboiadas várias, com este verde a mais gira que me lembro (e atenção que esta não me coube a mim!), ocorreu quando, seguindo na à data chamada via do infante, numa descida e enquanto os mais pais rolavam pela estrada, foram ultrapassados pela esquerda por um objecto verde que seguia a alta velocidade: o barco tinha caído da carrinha e foi a raspar nos rails até acabar a descida!
Agora se acham isto incrível, continuem a ler porque ainda não viram nada. Achadas as limitações do pequeno barco verde, o meu pai decidiu-se a comprar um maior, cabinado e a motor, o risco de ser ultrapassado pelo próprio barco em plane via do infante estava agora eliminado já que o barco era atrelado à carrinha. Com este barco, tirei a carta de marinheiro e fiquei legalmente habilitado para o navegar, apesar, claro, como todos os meus queridos leitores o sabem, isto de tirar a carta, quer na estrada quer no mar, poucas ou nenhumas garantias oferece quanto à segurança da condução... Posto isto, nada de bom se adivinha, com este barco cabinado navegava eu subindo o rio Gilão em direcção a Tavira, o barco carregado de gentes e haveres (facto que desconsiderei), quando no galgar de uma onda formada por um daqueles barcalhões que fazem a ligação Tavira - Ilha de Tavira, e por culpa da minha abordagem frontal, o barco já por si com uma proa baixa, ainda mais baixa de tão carregado, não teve altura suficiente para quilhar a onda o que fez com que o barco travasse bruscamente, não fosse a minha amiga Alexandra (nome fictício) e teria ido com certeza borda fora...
Mais uns anos volveram e nova troca de barco, agora um já com cinco metros, consola central, toldo, deck e um valente motor de cinquenta cavalos, inicialmente estava ali em Vila Franca e numa bela primavera, num dia que tinha amanhecido calmo e agradável nunca pensei voltar a terra com a sensação de ter dobrado o cabo das tormentas, ora vejam:
Como já tinha dito, os dias andavam a apetecer e finalmente convidei uns amigos para ir dar um passeio no Tejo, levar um farnel, ver os flamingos cegonhas e outros que tais, enfim passar um dia de sábado tranquilo! Zarpamos do cais de Vila Franca e navegamos calmamente em direcção à foz, eu tinha tudo pensado: iniciávamos a viagem a favor da corrente, porque à volta a maré virava e vínhamos a favor dela. Tranquilíssimos navegando um Tejo espelhado acercamos-nos do primeiro mochão, havia uns quantos barcos de gente à pesca da corvina, fomos continuando, eu sempre a controlar a sonda não fosse o caso de surgir algum baixio quando de repente ouço um estrondo enorme! Desligo o motor imediatamente, o barco tinha batido nalguma coisa, volto a confirmar a sonda: metro de vinte de fundo, de sobra para o barco em questão. Algo atrapalhado por não saber no que bati, não se esqueçam que a visibilidade no Tejo é de dez centímetros, levanto o motor para ver se bati com o casco ou o hélice, e uma vez erguido o motor a resposta ergueu-se com ele, uma das pás do hélice já lá não estava...(mais tarde vim a saber que ali onde bati jaz um maciço de betão que outrora fixava um farol, deixaram-no lá sem o sinalizarem...) Encaminho-me para o cais de Alhandra, a fim de averiguar melhor os estragos, espreitar para dentro do casco, voltar a examinar o hélice e o estado do eixo, achei (outra vez erradamente) que podíamos continuar. Voltamos para o meio do rio e mais perto de outro mochão, lanço o ferro para almoçarmos. Não sem mais uma cóboiada, a abrir o toldo liberto a fúria dum vespeiro lá instalado... Lá almoçamos, e dito o rumo, navegaremos pelos canais entre o mochão até chegar ao outro lado da ilha, um braço estreio que liga ao Tejo perto do sítio onde tinha batido, o chamado mar da palha. Essa zona dos canais era muito gira, permitia uma observação da bicheza muito mais próxima e toda a paisagem era encantadora, o problema é que esta rede de canais navegáveis deu lugar a um Tejo imenso assim que a maré subiu, e aquilo que inicialmente era uma navegação sossegada por canais tornou-se numa agastante tentativa e erro de navagar e encalhar. Pulo do barco, e com água pela cintura encaminho o barco até ao famoso mar da prata.
Nesta altura a maré tinha virado a tempo, tal como eu previra, de nos ajudar a regressar a Vila Franca. A merda é que com a maré veio um vendaval incrível, e aquele braço de água sossegado de repente virou um mar revoltoso! O vento contra a maré, a velocidade da maré aumentada pelo estrangulamento do rio, e à nossa frente erguiam-se ondas maiores que aquelas que já havia enfrentado no mar! Navegando em zig-zag para abordar as ondas a quarenta e cinco graus, demorei o dobro do tempo a ganhar a batalha do mar da prata, já no meio do Tejo, confirmo o combustível: o nível indica um quarto de depósito, os meus convidados estão molhados até ao osso e enregelados, encostados à popa para se furtarem ao vento quando o motor pára! Tentar ligar o motor, e outra vez, e outra... Não liga, e agora?! A Vanda (nome fictício) liga para a marinha, estacionada ali em Alhandra haviam de me ajudar! Ao meu pedido de auxílio respondem «Sabe, é que nós temos a nossa lancha avariada...» Aaaarrrghhh! Que raiva! Felizmente estava a passar um cagaréu (nome dado aos pescadores de Vila Franca que à falta de melhor sítio para cagar no meio do rio, cagam à ré) que nos rebocou até Vila Franca. Já com o barco em terra ainda arranjo maneira de bater com o meu pé descalço num calhau, sangrando abundantemente...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Inquietação

Lets dance in style, lets dance for a while
Heaven can wait were only watching the skies
Hoping for the best but expecting the worst
Are you going to drop the bomb or not?
Let us die young or let us live forever
We dont have the power but we never say never
Sitting in a sandpit, life is a short trip
The musics for the sad men
Can you imagine when this race is won
Turn our golden faces into the sun
Praising our leaders were getting in tune
The musics played by the madmen
Forever young, I want to be forever young
Do you really want to live forever, forever and ever

alphaville


Espreita-me ao longe e esconde-se, mas eu fito-a.

Continuo a andar e pergunto-me quem era que me fitava, pareceu-me familiar mas não o suficiente para me levar a dobrar a esquina a identificá-la.

Ando mais e ainda a pensar nela já se me seca a boca, que raio, por que me espreitou ela? Eu não a chamei, eu sigo aqui nos carris que me empurram para onde quero ir.

Mas eu sei, a mudança é mais fácil que a constante, rapo o cabelo, mudo de nome e de país a ter que voltar a fazer o que já fiz, bem ou mal, já o fiz.

Descobrir é que me sobra, só isso me acalma a inquietação.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Nome de Código: Coringa

Numa tarde dessas quentes juntou a roupa num molhe e meteu-a a lavar, o Coringa não é dado aos virtuosismos dos armários vastos, e a roupa que tem cabe numa única máquina de lavar ou numa mala de transporte de tamanho suficientemente reduzido para embarcar nos aviões sem fazer check-in, pois daqui a uma semana, tanto pode estar aqui como num bar em Bombaim... A tarde quente havia de permitir que a roupa secasse ainda nesse dia, Coringa recebeu uma corvina e três larvas de bacalhau: em breve terá uma missão.
Coringa é agente do S.I.S. mas nem o serviço sabe quem ele é, move-se como um fantasma, ou um homem sem rosto, e nem sentido de humor tem: não percebe piadas e tem mau gosto a contá-las. O nome de código que lhe deram adveio da maneira como exigiu ser contactado, quem o contratar (sim, porque se o homem é invísivel tem margem para trabalhar para quem quiser, haja dinheiro) deverá, primeiro que tudo, ter a tecnologia para o fazer, o envio da informação necessária ao trabalho é fornecido de um modo que de tão insólito nos levaria a pensar ser impossível, mas essa dificuldade é apenas uma pequena fracção do custo total dos serviços exímios desta sombra. Coringa recebe peixes e larvas de peixes que foram submetidos a condições especiais de maneira a que os otólitos (estruturas mineralizadas presentes no ouvido interno dos peixes e indicadoras por meio de bandas de crescimento rápido e lento, alternadamente que nem os anéis nos troncos de árvores, dos anos ou dias de vida dos ditos animais) indiquem nas suas bandas alternadas os números associados à missão: é composto um código de barras correspondente a treze algarismos, quatro expressos nos otólitos do peixe adulto e os restantes três nos de cada uma das larvas da maior para a mais pequena. Para extrair os otólitos aos peixes, Coringa tem de fazer um golpe pelo canto da boca do peixe até à abertura branquial, daí o nome de código. Uma vez extraídos e analisados, Coringa tem o número que precisa para a sua missão.
5648347948559
Coordenadas GPS, Identificação, Data.
A base de dados está na net à vista de toda a gente, mas sem o algoritmo de interpretação, não é mais que uma lista fútil de nomes sem relação aparente, e ficheiros pesados de perfis de DNA.
A máquina já acabou de lavar e Coringa já tem a sua missão: duzentos e poucos quilómetros a sul de Jacarta, daqui a seis dias, deverá aniquilar o sujeito. Ele nunca saberá quem matou: o agente patogénico é específico do alvo e actua ao fim de vinte e oito horas, tempo suficiente para escurecer a sombra de Coringa. De volta a casa, espera-o uma corvina já escalada no congelador...

Segundo Recado ao António Lisboa

Epá Oh António, percebeste alguma coisa do que te disse da primeira vez?! Repara lá numa coisa, quando te disse para largares o whisky não era para te atirares a outro álcool... E essa mania agora de Cuba?! Mas onde é que foste desencantar isso? Bem sei, a religião é o ópio do povo. E lá que tu precisas de uma fuga, precisas. Mas o PCP, porra? Largas o whisky e os cigarros para beberes mojitos e fumares aparas de charuto em cigarros filtro? Digo-te já: foi uma bela merda de ideia que tu tiveste! E ainda te digo mais, estás gordo que nem um texugo, até dás às ancas a andar. Não sabes do que é? Então olha, doze mojitos numa noite são uma garrafa de rum, seis limões, doze colheres de sopa de açucar, um molhe de hortelã, duas garrafas de água das pedras e duas colheres de sopa de angostura. E perguntas-me porque é que estás gordo? Tenta lá adivinhar...
Mas agora, essa PCPzita de metro e meio que arranjaste pode te estar a fazer muito bem, lá as quecas, as discussões do tempo da guerra fria, os mojitos e charutos para enquadrar o resto, podem ser um belo entretém, mas porra, andas sempre a dizer mal de tudo e estás com o dobro do tamanho.
Oh António, se calhar sou eu, a gaja não falando no PC, até permite uma conversa agradável, mas não sei pá, sabes que te amo profundamente e se te digo coisas que talvez, talvez não, de certeza não gostarias de ouvir, é por isso mesmo.
Mas tenho que te dizer isto: A meia-leca da boina não me entra, fica aqui atravessada. Mas não é por mim, eu acho é que ela, mais tarde ou mais cedo deixa-te na merda outra vez ou a deixas tu a ela. Aquela cena de te comparar ao Hemingway, (outra vez as cubanices), epá, o gajo não tinha amor à vida: primeira guerra mundial em itália, toiros em pamplona, guerra civil espanhola, revolução cubana e no fim mata-se, porra oh António, o Hemingway andou a ver se se matava desde que nasceu!!!
E agora que pensei nisto, talvez a comparação não seja assim tão descabida, porque amor à vida tu não tens, mas olha lá, para ser comparado ao Hemingway que seja por ele ter sido viajado, aventureiro, bom pescador, escritor! Agora suicida?!
Percebes o que te digo?
Não percebes mas eu explico melhor: estás de ressaca António, e faz parte do teu luto, encantaste-te com essa reaccionária mas agora eu forço-te o desmame.
Epá, é que tens de te encaminhar primeiro depois logo pensarás em relações sociais a longo prazo. Olha eu percebo-te: estás carente, um eu-pequenino, um desencantamento e aparece-te esta papoila vermelha para te encher o vazio (ou não tivesse ela a forma de uma rolha!), mas ouve, não alimentes isso! E agora falo no interesse dela, é que eu já te conheço há muito e ela nem tem noção do que aí vem, mas eu vi o que aconteceu às outras feias todas, é que oh António, tu já estás magoado mas ela não.
Ouve lá, já que andas numa de Hemingway, e isto é um apelo que te faço mas só quando estiveres orientado, imagina que vais à pesca que nem o velho e o mar, o meu apelo é que sigas continuando à pesca, mas deixa que o peixe salte para o barco. É como quem diz, não escolhas tu as mulheres que está visto que tens mau gosto (escusado será lembrar que foi a minha irmã que te escolheu...), voltando à analogia do velho e do mar, permite-te a lançar o isco, deixa que o peixe o morda, mas não gastes o teu tempo e o do peixe a tentar subi-lo para o barco, olha que o velho do mar ia morrendo de cansaço! Quando o peixe morder o isco, espera que ele salte para o barco, mas por favor não o tentes puxar.

segunda-feira, 16 de março de 2009

País Tropical

"Moro!
Num País Tropical
Abençoado por Deus
E bonito por natureza
(Mas que beleza!)
Em fevereiro (Em fevereiro!)
Tem carnaval (Tem carnaval!)
Tenho um fusca e um violão
Sou Flamengo, tenho uma nêga
Chamada Tereza..."

Jorge Ben Jor

Em fevereiro tem carnaval, em março tem dias de verão! Ainda hoje senti, à noite, aquelas brisas quentes me fazem penar de saudade durante os dias frios, aqueles em que me pergunto como é que é possível, num período de meses, rachar de frio onde ainda há pouco tinha morrido de calor. Cheirei aquelas flores enjoativas de tão doces que se espalham num odor melado, tomei banho para sair à rua e com o calor sentir que outro banho viria a calhar a apenas uns minutos do fim do primeiro. Bebi um copo na esplanada da graça pela noite dentro e mesmo assim o calor não fugiu. Fui à praia, e mesmo com água fria, fiquei a ver o sol queimar melhor que em dias de verão.
Moro num país tropical, crocodilos no douro, rãs exóticas em Oeiras, tubarões-baleia nos Açores.
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quarta-feira, 11 de março de 2009

Desço
         por
              umas
                    escadas  
                            assobiando
                                                os
                                                    Gipsy
                                                            Kings
Caminando
                   por
                         la
                             calle
                                     yo
                                          te vi...
Mas
        na
            minha
         despreocupação
                                   não vejo
                                                  um
                                                        gato
                                                               num
                                                           degrau
                                                               mais
                                                               alto!
TROPEÇO!
                                                                                                                                           E CaIo nO cHãO

domingo, 8 de março de 2009

Dia da Mulher

Parecia um dia normal. Apanhei sol durante o dia, tomei um dos melhores pequenos-almoços de sempre numa esplanada em Santa Catarina, uma vista para o rio, um ouvir de uma série de línguas como se estivesse no bar de um hotel algures no mundo, bagels, compotas, café. Estas coisas dão-me anos de vida, com um acordar destes viveria até aos cem anos.
Combinei jantar com pessoal, cozinho eu! Vamos comer moqueca de camarão, há quanto tempo não como moqueca! De hoje não passará, vou às compras, camarão, óleo de palma, vinho... Volto a ligar para saber quantos somos e aqui começa a história da minha noite mais incrível,
À mesa somos eu mais quatro (4!) mulheres, logo aqui algo inédito! Já tinha jantado com mais do que uma mulher, mas quatro realmente é admirável, como se não bastasse, para o café veio mais uma mulher. Coincidência ou não, ao passar da meia noite entrámos no dia internacional da mulher! Ora, se é dia da mulher vamos embora enaltecê-la!!! Trocas de roupa, perfumes, lápiz, rímel, lá saímos de casa nesta grande emancipação feminina testemunhada por mim! A direcção era o Bairro Alto, só para começar.
A sair de casa a Margarida (nome fictício) apercebe-se que o carro não está no sítio onde devia! Estava sim, mais abaixo na rua junto à parede em cima do passeio, ela ficou muito baralhada: tinha estacionado o carro num sítio e ele agora estava noutro, as hipóteses iam sendo formuladas à medida que nos aproximávamos do carro e a hipótese mais plausível estava a ser mudamente admitida... Contorno o carro pronto para ver os estragos e o que vejo faz-me sentir de um modo impossível de descrever, o facto mais incrível, a possibilidade mais remota estava a ser presenciada por nós! Por momentos, eu que sou um homem perfeitamente desprovido da fé divina, cheguei a acreditar na existência de Deus, mas foi mesmo só por uns momentos. O que eu vi foi que o carro tinha embatido contra um colchão que estava encostado à parede!!! O carro estava impecável, ao lado do colchão estava um sem-abrigo a vasculhar o lixo, ao que eu lhe pergunto - Desculpe, o colchão é seu?! - Mas não era, ele estava ali só pelo lixo. A rua, a descer, tinha dum lado os sem-abrigo a dormir doutro uns daqueles pilões de metal no passeio, mas o carro percorreu cerca de trinta metros fez uma ligeira curva para embater precisamente nuns redusíssimos metro e oitenta de colchão! Imaginem a probabilidade de isto acontecer! O carro teve de ficar destravado, a mudança teve que saltar, a posição em que o volante ficou teve de ser precisa, não estava a passar nenhum carro nem pessoas... Enfim, eu até já estava com o pouco de sono do compasso de espera das mulheres despertei logo com este shot de adrenalina!
Ainda a noite era uma criança! Seguimos a tempo de apanhar o último metro, entramos na primeira carruagem mesmo colado(a)s ao maquinista. Começamos nos Anjos, chegados ao Intendente abrem-se as portas entra uma mulher na cabine do maquinista. No Martim Moniz, igual! Abrem-se as portas no Rossio e entra mais uma mulher, fazia lembrar aquele programa de enfiar gente num mini!!! Nós incrédulos com mais uma cena digna de ganhar o Fantásporto, e a rir estupidamente lá vamos andando para o Bairro...
O Bairro não trouxe surpresas, fechou às duas, gente a dar com um pau, gajos fumados e bêbedos com fartura, mais uns copos no arroz doce, decidimos onde ir - JAMAICA!
À porta furamos a fila (por amor de deus, se levo sete mulheres ao jamaica tenho direito a furar a fila, ou não?! já são sete porque encontrámos mais duas no bairro!), o porteiro manda-nos entrar mas pede-me para pagar seis euros à porta com direito a três imperiais - Pá! Trago sete mulheres para o Jamaica e ainda me pedes para pagar? - mas encolho os ombros - Eh, deixa lá ou bebo-as de qualquer maneira!
O Jamaica é em si uma experiência de vida. Tenho de o tentar descrever mesmo sabendo que nada do que escreverei poderá revelar na totalidade o ambiente do Jamaica, aqueles que já lá foram sabem do que falo!
(respirar fundo)
Oitenta metros quadrados, uma densidade de quatro pessoas por metro quadrado, música dos setentas e oitentas, gente de toda a espécie, uma bar com dois gajos a servir. Ir ao Jamaica, é assumir que a partir da porta abdicamos do nosso espaço, para mim um estranho a quem eu possa sentir o cheiro do perfume já se aproximou demais, mas no Jamaica o nosso espaço está limitado ao nosso interior porque o exterior é do Jamaica! Ir ao bar, roçar-me em cinco mulheres e três homens, ficar com a manga direita ensopada em cerveja, parece que tenho a cabeça enfiada num frasco de erva, tal é o cheiro no bar. Não há no Jamaica ninguém parado, vou-me embora às cinco e meia e ainda está à pinha!
Dançar a noite toda, chegar a casa de dia, esta noite foi uma alegria!

sexta-feira, 6 de março de 2009

Entre Estações

Está sentado junto à janela imerso nele próprio, sozinho entre as pessoas, quando de repente repara numa mulher muito cheia de pinta, ele conhece-a! Ela está de frente para o caminho mas do outro lado do corredor, na coxia, na sua diagonal. De costas para a vida ergue-se um pouco e fica a mirá-la pelo reflexo, sim, já se têm visto, lançam olhares fugazes um ao outro mas nunca se abordaram e sempre que os olhares se cruzam ele é sempre o primeiro a desviar o olhar, como se o olhar dela fosse uma lanterna que lhe ofusca os olhos. Assim que reparou nela no metro começou a suar das mãos e do cu e dos sovacos, é um tipo algo repugnante, bruto, duvido que, havendo essa possibilidade, houvesse algo para lapidar. Ela bate com os olhos nos reflexos que a questionam e ele manda-os para o chão de imediato, agora está tão contraído que inspirou de um só sorvo sonoro, felizmente abafado pelos travões, altifalantes, as africanas, o cego que pede.
As pessoas seguem sem cara, não se adivinham características algumas, talvez a languidade de um cabelo sujo, a escolaridade de uma pasta, a erudição de um mp3, no silêncio dos barulhos mudos ele já não suporta as perguntas sonoras que se lhe assaltam na consciência: ela observa-te? ela conhece-te? Ela interpreta-te? Não aguenta mais tanta questão, decide, embora o destino seja o cais do sodré não passará da próxima estação. Ela aparenta estar calma e alheia a tudo. De soslaio, dá miradas para o lado direito, tenta avaliar o tipo de homem que a tem intrigado, a postura, as feições agrestes, o sobrolho cerrado, qual é a história dele? De onde ele é? Onde trabalha? Porque não a aborda?! Ela inquieta-se, a carruagem começa a ser pequena para os dois, sentem mutuamente, mas cada um no seu espaço, uma tensão que cresce, um ar que se adensa, e há também os cheiros maus, é qualquer coisa de ar saturado com perfumes aespanholados e suores que se pairam a meia altura, como que a boiar à altura do nariz das pessoas. E ela ainda mais inquieta por o conhecer de vista e este não a olhar, ele, de resto, continua virado para o vidro à espera que chegue alvalade, e alvalade parece nunca mais chegar. Desde que se olharam, ainda quando o metro estava no campo grande, que escolheram não se falar e remoem-se por ansiar fazê-lo, mas já foi o momento: ou era quando se viram ou fingem não se ter visto. Mas o fingimento está a tornar-se asfixiante, já mal respiram quando as portas finalmente se abrem e correm os dois para a plataforma de olhos pelos chão, o homem vai para sul, ela vai para norte.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Admirável Mundo Novo

Vou só começar por dar uns dados importantes para melhor perceber a história que contarei de seguida, por favor não se aborreçam, prometo polémica lá mais para o fim!
A Terra tem 4.5 mil milhões de anos (4 500 000 000). A vida começou há cerca de 3.5 mil milhões e a vida multicelular surgiu há apenas 600 milhões de anos. Desde então, a Terra já assistiu a cinco grandes extinções , i.e., uma enorme percentagem de toda a biodiversidade desapareceu para sempre, e depois a partir das espécies que sobraram radiou toda outra grande diversidade(a última grande extinção permitiu aos mamíferos colonizar o habitat deixado pelos dinossauros, bendito meteoro!!). Todos os cientistas dignos desse título (e sem conflitos de interesses) assumem que neste momento o Homem está a provocar a próxima grande extinção. As espécies extinguem-se sempre mas agora assume-se que o Homem está a acelerar o processo, entre dez a cem vezes mais rápido.
Daqui a uns anos a Terra terá entrado noutra idade do gelo. O fenómeno que impede a Europa de gelar na actualidade é a corrente quente do golfo do México: a água aquece lá no México vem andando em direcção à Europa, transfere o calor para a atmosfera que atinge a Europa dando-nos este clima temperado. Mas o problema, é que desde a revolução industrial temos estado a mandar gases com efeito de estufa para a atmosfera e com especial intensidade nas últimas décadas e vamos continuar a fazê-lo. Isto irá provocar um aumento da temperatura tal, que o gelo da Gronelândia derreter-se-á e vai interromper precisamente a corrente do golfo do México. Esta corrente faz parte de um ciclo mundial que quando é quebrado permite o avanço dos pólos.
Com este cenário, não prevejo o fim da Vida ou sequer do Homem mas especulo sobre o que poderá acontecer, admito que possa ser fantasioso mas acho que seria quase poético, no mínimo irónico, reparem:
A riqueza mundial e poder decisor situam-se no hemisfério norte, no sul há uma faixa de água que dá a volta à Terra, países em desenvolvimento e a Oceânia. O crescimento da população e consequente crescimento económico dos grandes países irá agravar ainda mais a degradação do ambiente num futuro próximo (incrivelmente a crise mundial poderá ter-nos dado mais uns anos para lidar com o dióxido de carbono), essa degradação, transcrita por um aumento da temperatura da atmosfera, irá derreter os pólos aumentando o nível médio das águas do mar, logo aí com apenas um metro de subida serão afectadas cerca de 150 milhões de pessoas... A água do mar continua a subir até que a água doce dos pólos é tal, que irá quebrar a corrente marítima mundial que regula a temperatura do nosso planeta, a Terra gela. Os países ricos congelam e os pobres, junto ao equador, ficam amenos. Os países ricos têm de transferir toda a gente para a zona do equador (levam consigo o poder económico), como não há espaço suficiente junto à orla costeira as pessoas serão distribuídas uniformemente pelo território, mas têm de garantir a sustentabilidade da vida selvagem e da própria existência, desaparecem as grandes cidades e surgem as pequenas comunidades baseadas nos recursos existentes no local, voltaremos a ser recolectores. Os governos regularão o planeamento das famílias, incentivará as famílias a terem um só filho, investirá na educação, especialmente a sexual, e desenvolverá novos meios de contracepção, a população aos poucos decrescerá, tem de decrescer! Este brutal impacto destruirá grande parte da diversidade, principalmente a terrestre, o mundo irá continuar, o Homem também, mas teremos provocado a sexta grande extinção.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Tele-vendas

Adoro as tele-vendas! Há dias que aguento-me acordado mais uns quartos de hora só para ver as tele-vendas! Vejo um anúncio e penso que o que estou a ver é tão estúpido e repenso que estou a perder horas de sono por uma coisa tão insignificante, mas os argumentos são de tal forma fantásticos que vou arrastando a ida para a cama recompensado com mais um e outro argumento maravilha! Verdade seja dita, nunca comprei nada por telefone, mas o que é facto é que poucos programas me aguentam no sofá até às cinco da manhã! Não há na televisão nenhum programa que deseje mais a nossa atenção, sinto-me amado (não leiam isto alto!), aquelas pessoas comuns estão mesmo preocupadas com o meu bem-estar, querem que compre uma mopa a vapor para melhor lavar o chão, a fórmula é sempre a mesma independentemente do produto que querem vender.
- Ena Bob, tanto vapor! - diz a mulher impressionada.
- Antes da mopa a vapor eu tinha de carregar um balde e salpicava sempre tudo, mas agora, com a mopa a vapor, eu limpo tudo sem salpicos! - diz uma pessoa comum.
A fórmula é,
1. comparar o revolucionário produto com outros existentes no mercado, e dizer que este produto substituirá uma dúzia de outros;
2. fazer um teste em estúdio para "provar" que o novo produto é muito melhor;
3. recolher testemunhos de pessoas comuns a dizerem como eram difíceis os seus dias antes de conhecerem este produto;
4. fazer um teste na rua, tipo pepsi/coca-cola, para mostrar-nos que mesmo qualquer pessoa escolhida ao acaso atesta a qualidade do produto;
5. pôr um destes "crash-dummies" a dizer - Ena, isto é mesmo bom! Este é meu! Este já não devolvo! - enquanto abraçam o maravilhoso produto;
6. por fim, entra a voz-off a dizer que esta é uma oferta muito limitada mas se ligar já, pode pagar em trinta e seis meses com poucos juros e ainda oferecem um livro de receitas no micro-ondas;
E assim se faz um belo e cativante anúncio! Não se esqueçam das vozes das dobragens, sempre, mas sempre, descoordenadas e com um entusiasmo superior ao demonstrado pelos actores, e ás vezes ainda se mete um antiga glória do wrestling, baseball ou do boxe para nos aproximar do produto: se o Hulk Hogan tem um grelhador sem fumo, eu também quero um!

Carnaval em Carcavelos

Enterra as botas de napa, baratas, na areia poeirenta aquela areia que não é lavada pelo mar. Olha para o filho enternecida, vê-o brincar com formas, um balde do spider-man, e um bocado de lixo que o mar trouxe à costa. A mãe continua a vê-lo sem o repreender de brincar com o lixo (hoje evitará conflitos: o cansaço da semana dita a não repreensão), ajeitou uma pedra menos dura para se sentar a coberto da areia poeirenta e levanta a cara ao sol, o miúdo faz um montinho de areia coberto de conchas, caricas, tampinhas e papéis.
O aroma a maresia é quase insuportável. A merda que vem do esgoto agora não se sente: está maré cheia, mas há o cheiro que emana das algas e intensifica a maresia, é nauseante. E as algas são tantas e o cheiro tão intenso, brilham ao sol molhadas pelo mar que ondula. Nas ondas vêem-se sacos de plástico, latas que bóiam e uma tampa sem balde.
Lolitas andam soltas a pavonear-se pelo paredão, levam blusinhas frescas umas de pernas à mostra outras de jeans afilados nos artelhos a acabar numas botas gigantes - que raio de moda - e emproam os princípios de mamas, olham furtivamente para os rapazes de t-shirts despidas, estes exibem os corpos depilados forjados no ginásio, usam tatuagens e levam cães agressivos à trela. Andam de braços arqueados como quem apanhou um escaldão.
Lagartos, noddy's, peter pan's, spider man's, princesas, brancas de neve.
Andam outros mascarados na praia, mais precisamente no mar, usam fatos de neoprene e estão montados numa prancha, são mais de cem mas mesmo assim há ondas que chegam até à costa sem serem surfadas.
O povo sedento de sol acorre às praias em Fevereiro, parece Agosto. Se em Agosto estivesse este tempo ninguém iria à praia, mas é Fevereiro. Num raro momento abre-se uma clareira entre a multidão e aterram uns maçaricos a debicar apressadamente por entre as areias. Na areia não se consegue sacudir a toalha sem chatear alguém, uma mulher gorda, a transbordar do fato-de-banho, tira uns pastéis de bacalhau de uma tupperware... No mar passam os iates ao sabor do vento, longe alheios à confusão da costa, suspeito de long drinks e canapès.
Queques acotovelam-se nas esplanadas, cheira a dior, calvin klein, e dolce & gabbana, bebem sucos de abacaxi com hortalã e lamentam não ter ido ao Rio este ano, mas garantem ir já no próximo.
O fim do dia chega, o povo recolhe a casa, amanhã é dia de trabalho, quem está habituado às rotinas parece não se incomodar com mais umas horas valentes de trânsito para sair da praia.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Martim Moniz

Apanho o metro em alvalade, linha verde, sigo na direcção do cais do Sodré. Hoje vou fazer caril! Sabem aquela dificuldade de cozinhar em casa pratos de uma dada região que nunca sabem como se lá estivéssemos? Senti isto pela primeira vez nos estados unidos quando foi pedido aos alunos para cozinharem um prato típico do país de origem. Escolhi o bacalhau à braz, pela aparente facilidade de execução mas achar bacalhau salgado depressa se revelou uma impossibilidade... Contentei-me com bacalhau fresco achado numa loja gourmet. Escusado será dizer que embora o prato tivesse saído bem, não era de todo "bacalhau à braz"!!
A cozinhar em casa haverá maior gozo que adulterar receitas com nomes seculares?! A história da culinária baseia-se nestas pequenas fraudes cometidas. Agora de vez em quando há pratos que não quero de forma alguma alterar: um chili, um caril, sushi, uma moqueca... Mas para isso são necessários, impreterivelmente, os ingredientes essenciais! Dendê para a moqueca, vinagre da arroz para o sushi (entre outros), e cardamomos, caril, erva doce e cravinho para a cozinha indiana, no mínimo! Enquanto alguns ingredientes se encontram em qualquer lado, outros há que ou vamos ao país de origem ou vamos ao sítio onde vivem e comem os imigrantes. Já quando comecei a fazer sushi mandei antes um e-mail à embaixada do Japão a perguntar-lhes onde poderia encontrar chás e ingredientes japoneses, e eles responderam! Claro que para os pratos indianos a resposta salta à vista, ou mais precisamente ao nariz!
No metro em direcção ao Martim Moniz, logo no intendente já cheira a caril!!! Saio no Martim Moniz e parece que atravessei, qual acontecimento Bíblico, os portões da Torre De Babel, na estranha forma daquele centro comercial que também se ergue alto subindo uma das colinas de Lisboa! Quem não conhecesse o mundo diria que a diversidade de línguas da humanidade nasceu ali, na Praça do Martim Moniz. Todas a raças, todos os credos, todos os costumes! É incrível! Não há melhor manifestação da tolerância de um povo: outros países relegam os imigrantes para guetos isolados, em portugal vivem e trabalham numa das mais destacadas praças da Capital!
Ao mesmo tempo, e este foi realmente o assunto que me levou a falar do Martim Moniz, não há praça mais irónica em Portugal, vejam lá:
Martim Moniz, foi um nobre ao serviço do Afonso Henriques - nosso fundador que veio desde Guimarães a aviar fruta em tudo o que mexia (incluindo a própria mãe!) mas chegando a Lisboa dá de caras com a porta do castelo... Ora dizem que o Martim era um xenófobo de primeira, incapaz de sair do pé do portão tal era o seu asco pelos mouros! Um destes mouros terá um dia aberto a porta mais que uma nesga, e foi o suficiente para que o Martim no seu sentido mais nacionalista conseguisse ficar entalado no portão! Isto permitiu que o nosso D. Afonso, que já desde o início do cerco ressacava uma boa pancadaria, entrasse pelo castelo a ceifar mouros a torto e a direito, baptizando o castelo de S. Jorge! Agora o que eu acho realmente engraçado é que este pobre xenófobo deu a vida para que os portugueses ganhassem uma Capital, capital esta que baptiza uma grande praça com o nome dele, e na maior e mais irónica reviravolta, os mouros, asiáticos e africanos formam aquela que é a mais plural praça portuguesa: A Praça do Martim Moniz!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Recado ao António Lisboa

António Lisboa, a tua vida tem mais que isto algum dia terás que crescer, eu sei que tens emprego e casa mas és um imaturo. Quando eu te conheci eras um tanso, vestias-te mal e fazias as raparigas olharem para outro lado. E depois, de repente, passaste a seduzir tudo o que mexia, (nem por isso giras) se bem me lembro não houve gaja feia que não tivesses comido, és um merdas e tratas as mulheres como garrafas de whisky (depois de bebidas mandam-se fora), tens de procurar mulheres porque as que não conheces até têm interesse em conhecer-te mas as que te conhecem preferiam não te ter conhecido, arrastas-te até à clínica por imposição minha. No lugar de largares o whisky usas as sessões para te atracares a uma encalhada qualquer. Nem largas um vício, arranjas logo outro, és destrutivo. Como os poetas, mas esses deixam obra, e tu o que é que deixas? Não deixas nada. Tu deves-me mais do que isto António, à minha irmã também. O teu filho cresce à minha frente e tu envelheces sem ninguém dar por nada. O teu real problema António, e agora vou-te mandar abaixo mas aguenta que em seguida já te dou a mão, o teu problema é que ainda não admitiste que sempre foste triste, és um triste que não se apega a nada, és anormal. Até os cães são capazes de amar, jubilam só de cheirar os que amam. Tu foste desprovido do teu dia-a-dia e nem pestanejaste, perdeste uma mulher que te amava e nem envidraçaste os olhos, algum dia vais ter que chorar António. Mas eu compreendo-te, seria incapaz de sentir o que sentes, mas percebo que o possas sentir e vou-te explicar porque o sentes.
Se bebes és capaz de partir um bar a pontapé, no entanto sóbrio és um frouxo. Se verteres uma lágrima o mundo continuará António. E ainda não verteste nenhuma. Tentas fugir à realidade e pareces conseguir, mas na realidade apenas adias a percepção da tua triste existência. Sim António a tua existência, nesta fase, é triste. É preocupante mesmo, fico sem saber o que esperar de ti: às vezes quando te levo tabaco receio ou anseio - não sei bem qual - encontrar-te pendurado no camarão do lustro...
Mas António, vou-te ensinar a chorar, vou-te mostrar o que perdeste, vou-te mostrar que havia coisas que amavas, mesmo que não o soubesses. E quando te aperceberes disso, aí António, chorarás desalmadamente, pedir-me-ás perdão, lamentarás a tua vida, mas vais então começar a construir outra vida, outra existência, e aos poucos, verás António, aos poucos voltarás a ver alegria à tua volta, terás um amanhã mais rico que o hoje e a tua vida poderá continuar a não fazer sentido, mas tu não te preocuparás mais.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Benaventices (VI)

Metade da minha família são médicos, a outra metade são agricultores, desde há gerações... O meu pai é agricultor, e eu tendo crescido no meio passava as férias a ir ao campo com o meu pai ou o meu primo, ou ir arranjar vedações, montar cercas eléctricas, dar palha às vacas, carregar fardos de palha, enfim, o que fosse preciso. Houve um verão que até fui pago para isto. Se há coisa que acho piada é às estórias do campo, ora vejam lá estas:

O meu pai chega à sesmaria santana (nome duma charneca que lá tínhamos) e vê o moural todo partido e amassado...
- Eh Homem! Então o que é que lhe aconteceu?!
E o moural que tantas vezes se perdia de bêbedo, lá explicou
Oh Patrão Chico, 'tava bêbedo, fui dar palha às vacas, 'tava a ver tudo a dobrar... Vêm de lá dois toiros! Eu ponho-me a correr, vou direito aos dois sobreiros mas pus-me atrás da sobreiro que não era, vem de lá o toiro que era! Aviou-me uma coça, oh patrão Chico, pensava que me ia matar!

Outros empregados, com os quais trabalhei, era o Silvino (nós chamávamos-lhe Ibino), o Bonanza (usava um daqueles chapéus de pala à frente e atrás, fazia lembrar um chapéu à cowboy com a aba presa dos lados, quem nem o verdadeiro Bonanza), e o chefe, que fazia a comunicação entre o pessoal iletrado e o meu pai, o António Marmelo (alcunhado pela calada como o Gamboa!)
(o Marmelo a explicar ao Ibino como gradar a terra)
-Oh Ibino! 'Tás a ver além o choupo?
-Tou S'toino, tou!
-Então oh ibino, vais direito ao lado esquerdo do choupo sempre a gradar a direito, percebeste?!
-Percebi, S'toino! -Então faz lá uma linha p´ra gente ver
O Ibino faz a linha, começa a enviesar vai parar ao lado direito do choupo! (Quando chega) -Oh Ibino, tu 'tás a gozar comigo!! -Na tou nada S'toino...! o ibino falava sempre num tom de quem nunca faz nada com jeito, meio a desculpar-se, meio a lamentar-se.
Então fizeste a linha pró lado direito do choupo! Vai lá outra vez fazer como eu te disse. (O ibino faz a linha, mas agora bem, quando chega, o Marmelo reagiu ainda pior que da primeira vez) -Oh ibino! Tu tás a gozar comigo!!! Oh Ibino TU QUERES ANDAR À PORRADA COMIGO IBINO!
-Oh S'toino, na 'tou nada a gozar! dizia o desgraçado do ibino,
-Atão olha lá, se agora fizeste isso bem, porque é que não fizeste bem à primeira?! Tu tás a gozar comigo!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Wine Spectator meet Alfredo of Rome

First of all, I must explain why this article is being published in english when the rest of the blog is in portuguese. It so happens that I went to New York last christmas and while admiring the squared city streets and trying to absorb the spirit of the Big Apple, despite the so very painful cold for us: southern europeans, I tried to avoid the extreme temperatures by entering in a restaurant for lunch near the Rockafeller center, experience of witch I would like to tell you. Also, I am writing in english and publishing in my blog because I want the most people to read this sort of review that I tried to send to the worldwide famous wine magazine, the Wine Spectator, but in order to do so I would have to buy a year subscription just to send them an e-mail... And based on the content of that e-mail, I shore wouldn't like to buy the magazine, much less for a year!
As I said before, I went to New York last christmas, and the extreme could pushed me towards the closest restaurant: Alfredo of Rome. I saw the Wine Spectator award in the hall and I remember thinking: This should be interesting... Unfortunately, as I crossed the hall, all the enthusiasm started to fade away when the waiter chose us a table in the restaurants's lobby as opposed to the main room... I suppose it was because of my ski-like jacket, even though the main room was almost empty.
For starters came pureed olives to go with the disappointing bread: the olives were too acidic and far worst than the ones I buy already packed here in portugal. I asked for Pappardelle Alla Aragosta, the noddles were nice, the sauce was o.k. and the lobster was over-cooked witch left some tasteless rubber-like slices of the referred crustacean. I was hoping to find some comfort in the wine! It was asked for one merlot and one pino grigio, both americans (since i was in america I might as well try their wine!). I liked the Pino Grigio better, the oak was very deep in the Merlot and I prefer wines not so rounded, still, this are californian wines, and they're much softer than the ones I prefer with a lot more body and acidity. The temperatures were higher than expected and the prices were exaggerated. Now what surprised me the most was the terrible service, specially concerning the wines, like I said the temperatures were wrong (and since I wasn't worthy of the main room I wouldn't dare to ask the waiter to cool down the wine!) and when I was ready to pour the wine I notice that the glass had water left from the washing machine... I called the waiter for replacing the glass, and he said, while dripping the water to the floor, "Don't worry this is just water from the washing machine" and gave me back the same glass still wet(!). This is not the service I expect from a restaurant awarded by the Wine Spectator: the total lack of regard for the almost sacred ritual of enjoying a wine: since the right (clean and dry) glass, temperatures, bottle instead of a jar, even the wine menu was very poor in information... If you value eating and drinking well you won't choose this restaurant, and, as I have, you will start to question the meaning of the Wine Spectator Award of Excellence.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Crise? Qual Crise?

Desde de que voto, ou melhor, desde que me conheço que Portugal está em crise. Na altura do Cavaco, com a primeiríssima maioria absoluta, estávamos em crise: o homem no seu sentido mais social resolve aumentar as portagens da ponte e carregar contra os manifestantes com a polícia de choque. Quando ele chegou estávamos em crise e mesmo connosco deixando-o trabalhar ele saiu ao fim de oito anos e continuávamos em crise. A seguir veio o Guterres, deu ao povo pão, mas esqueceu-se do igualmente essencial dinheiro para o vinho e os jogos. O estado era realmente simpático para com o cidadão empobrecido, foi criado o rendimento mínimo garantido que rebentou com a nossa, já muito macerada por outras vias, segurança social (é por estas e por outras que eu vou ter de fazer um PPR privado), os parasitas multiplicaram-se, preenchiam os impressos mais depressa que as técnicas da segurança social e se alguma ousasse questionar as razões que levariam tal parasita a ter aquele subsídio levava logo troco: "Se eu não recebo o rendimento mínimo ainda vou ter de que ir trabalhar! Por amor de Deus!!!" como se não bastasse, o nosso estado acumulava dívidas e o défice(que nessa altura não passava de um vocábulo raramente proferido na altura de fazer balancetes)continuava a aumentar.
Chegam as autárquicas, o PS leva uma coça, perde as câmaras de Lisboa e do Porto e o Guterres demite-se antes de acabar o mandato...
Vem o Durão, anuncia-nos o valor do défice, diz-nos que o país está de tanga e aumenta os impostos. Claro está, que ainda não é desta que vamos sair da crise. As reformas não convencem: O Bagão foi avô há pouco tempo decide baixar o IVA de vinte e um para cinco por cento nas fraldas, mas uma qualquer ordem processual não é cumprida e Bruxelas impede-o de concretizar a medida... Também Durão e Ferreira Leite querem por força baixar o défice, mas depois deixam-nos entregues ao Santana Lopes, provavelmente o pior primeiro-ministro que alguma vez conheci... E a crise continuou... Mas afinal o que é a crise? Crise, sem ser num sentido económico, é um estado provisório num nível inferior àquele em que habitualmente nos encontramos, certo? Agora digam-me: se o nosso estado normal é cá em baixo nos três por cento de défice, como é que podemos, mais uma vez sem ser num sentido económico, estar em Crise?! Bem sei, crise é quando entramos em recessão, mas , e embora o resto do mundo tal como nós esteja a entrar agora em estagnação, a grande diferença é que eles vêm lá de cima! De crescimentos de dez por cento! e alguns mais ainda, mas nós vimos lá de baixo!!! Também foram só um par de meses em estagnação e vamos já de seguida voltar ao nosso habitual estado: o da recessão!
Crise? Crise é para os Islandeses!! Crise é para os Americanos!! E para os Irlandeses também! Agora nós?! Nós estamos sempre na mesma!
Não quis com esta elação denegrir ou questionar a imagem e o currículo nos nossos anteriores Ministros, reparem Cavaco é agora Presidente, Guterres é o mandatário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Durão é Presidente da Comissão Europeia, Santana é... é... não interessa.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Franchising

Vou partilhar com os meus caros leitores uma questão que há muito me intriga.
Vocês sabem aqueles gajos que tocam música do peru e os the greatest hits in pan pipes a troco de moedas, aqueles que se vestem com os ponchos, chapéus, normalmente tem cara de índio são três ou quatro, têm as ditas flautas de cana, uma conga ou jambé ou o que é aquilo e outras vezes até têm um orgão e isto tudo com microfones ligados a um amplificador e colunas. Para mim o que me causa estranheza é que em benavente na grande festa da terra: a sardinha assada, eles estão lá; se eu for à baixa de Lisboa, eles estão lá; fui uma vez a Paris e eles estavam lá em Montmartre!; outra vez a Barcelona e eles também lá estavam nas Ramblas!!; e a semana passada estive em Nova Iorque e também os vi em Times Square!!! Eles não podem ser todos o mesmo grupo... Mas a verdade é que são todos iguais. Nunca ninguém disse: Gosto mais dos Pan Pipes de Albufeira, tal como nunca ninguém disse: Gosto mais da comida do McDonald's da segunda circular. Portanto só posso tirar uma conclusão: tratam-se de franchisados do Pan Pipes! O que faz todo o sentido! Aquilo deve ter sido lançado pelo governo do Peru ou do Chile ou assim, um gajo é empreendedor decide atirar-se à conta-própria paga o franchising e passadas duas semanas recebe em casa o kit PanPipes: quatro ponchos multicolor, sombreros, duas congas, duas Pan Pipes, amplificadores e colunas, mais um saquinho de pó de tijolo, para esfregar na cara caso não seja índio. Pode escolher ainda comprar CD's das músicas tocadas para vender na rua (pois porque não me venham dizer que cada grupo destes edita a sua versão do My Heart Will Go On em pan pipes), em troca o franchisado deve devolver parte das moedas atiradas ao governo que o financiou e manter elevado o nível e o prestígio que transmitem os grupos de Pan Pipes! É como o Hard Rock Café! Eu até aproveito a ocasião para propor o seguinte: que tal t-shirts de PanPipes NYC, ou PanPipes Sardinha Assada de Benavente?

Benaventices (V)

Mais uma Benaventice. Esta é mais sobre mim e os meus amigos, não sei se será uma verdade para o resto dos habitantes de Benavente. Apesar disso, notei e foi-me dita essa diferença por amigos doutras paragens em relação aos hábitos tidos por nós, benaventeiros.
Quando eu andava no secundário, e ainda durante algum tempo de faculdade, talvez aquele em todos (o grupo de amigos de benavente) ainda iam a casa todos os fins-de-semana, não combinávamos encontrarmo-nos e já havia telemóveis, simplesmente aparecíamos à tarde num café: o Império(antigo Baltazar), e se não estivesse lá ninguém era porque estávamos no Cortiço. À noite não havia dúvida nenhuma! Só havia um bar em benavente! O mítico e nostálgico Sobre Margem que tantas vezes ajudámos a fechar!
É claro que só me apercebi disto quando comecei a sair de benavente e a ter amigos que não eram de benavente. Para eles era incompreensível o facto de eu sair de casa depois de almoço ir ao café e ao chegar lá, estão lá todos os amigos do grupo sem que nenhum tenha combinado fosse o que fosse! E nós estávamos sempre no café! No Império, mais frequentemente no Inverno, era um café com bancos à american dinner, bancos para três, de napa virados frente a frente, onde nos sentávamos tardes inteiras. No Verão, mais vezes nos encontrávamos no Cortiço, conhecido em benavente como o "café do Zé Ma'Olho", por o dono ser cego de um olho e obviamente chamar-se José. Religiosamente, durante a época dos caracóis (os melhores que alguma vez comi) as nossas tardes eram lá passadas!
Outros amigos perguntavam-me: mas vocês não se encontram em casa uns dos outros?! e a verdade é não! Íamos chamar-nos a casa uns dos outros, mas passávamos tempo juntos era nas mesas dos cafés!
Ainda hoje combino cafés a torto e a direito, e às vezes nem café bebo! Mas digo-vos: fomento grande parte das minhas amizades à mesa de um café!

sábado, 3 de janeiro de 2009

Absinto e Silicone

(atenção! esta é uma nota prévia!) Não que seja uma obsessão, mas o facto de esta ser a segunda vez que falo das mamas da Luciana é pura coincidência!!!
Como os meus caros leitores já sabem eu devoro notícias: leio o jornal (às vezes mais do que um), ouço rádio, leio as notícias na net e ainda na televisão... Enquanto lia mais uma notícia li que um estudo da netpanel dá-nos a conhecer as dez pessoas cujos nomes foram mais vezes pesquisados. Ora adivinhem lá qual foi o mais pesquisado, é verdade foi o da Luciana, os outros são todos nomes de mulheres atraentes ou pelo menos vistosas: Ana Malhoa(a qual também já surgiu aí noutro post), a Nereida Gallardo, Amy Winehouse, as "manas Chaves", como diz o meu amigo Bruno (nome fictício): Diana e Soraia, Jessica Alba, Carla Matadinho e Paris Hilton. Espera lá mas só estão aqui nove nomes, qual é o outro?! Será aquela gaja da triumph? não! será a gaja das minis? também não! Senhoras e Senhores, o oitavo nome mais pesquisado durante o ano passado foi: Fernando Pessoa! Sim, o grande poeta que ia beber absinto para a brasileira figura no meio destas mulheres todas, quem não vai gostar nada disto é a sua pequerrucha Ofélia Queiroz, dizem as más línguas que era um mostrengo tal que levou Fernando Pessoa a escrever o poema com o mesmo nome sobre o adamastor. Por estas e por outras não deixa de ter a sua piada ver agora o Fernandinho no meio de tanta donzela, não acham? Então e agora porque é que o título é silicone e absinto? Porque se não fosse a silicone, a Luciana não encabeçava a lista, e se não fosse o absinto a obra do Fernando com certeza não seria tão extensa...